Monday, December 8, 2008

Direis que não é poesia

Encontrei este poema à toa, é sempre giro, ficou-me na mania dos livros de andar a passear à procura de qualquer coisa e achar tesouros pelo caminho. Este foi um tesouro que acho que se adequa a mim, ou mais que não seja ao que sinto presentemente.

"Direis que não é poesia
e a mim que importa?

Eu canto porque a voz nasce e tem de libertar-se.
E grito porque respondo
às lanças que me espectam
e aos braços que me chamam,
E porque, dia e noite, minhas mãos e meus olhos,
por estranhas telegrafias,
dos cantos mais ignotos
e das linhas perdidas
e dos campos esquecidos
e dos lagos remotos,
e dos montes,
recebem longas mensagens e comunicações:
para que grite e cante.

O meu grito e meu canto é a voz de milhões.

Por isso que me importa?
Eu canto e cantarei o que tiver a cantar
e grito e gritarei o que tiver a gritar
e falo e falarei o que tiver a falar.

Direis que não é poesia.
E a mim que importa
se eu estou aqui apenas para escancarar a porta
e derrubar os muros?
E a mim que importa
se vós sois afinal o que hei-de ultrapassar
e esmigalhar
em nome
de todos os futuros?

Eu sigo e seguirei.
como um doido ou um anjo,
obstinado e heróico a caminho de nós
em palavras e acções
por todos os vendavais
e temporais
e multidões
nos cantos mais ignotos
e nas linhas perdidas
e nos campos esquecidos
e nos lagos remotos
e nos montes
- por terra, mar e ar.

Direis que não é poesia
E a mim que importa!
Convosco ou não, meu galope é em frente.
Pertenço a outra raça, a outro mundo, a outra gente.

É andar, é andar!"

Mário Dionísio
(Lisboa, 16/7/1916 - Lisboa, 17/11/1993)