"Direis que não é poesia
e a mim que importa?
Eu canto porque a voz nasce e tem de libertar-se.
E grito porque respondo
às lanças que me espectam
e aos braços que me chamam,
E porque, dia e noite, minhas mãos e meus olhos,
por estranhas telegrafias,
dos cantos mais ignotos
e das linhas perdidas
e dos campos esquecidos
e dos lagos remotos,
e dos montes,
recebem longas mensagens e comunicações:
para que grite e cante.
O meu grito e meu canto é a voz de milhões.
Por isso que me importa?
Eu canto e cantarei o que tiver a cantar
e grito e gritarei o que tiver a gritar
e falo e falarei o que tiver a falar.
Direis que não é poesia.
E a mim que importa
se eu estou aqui apenas para escancarar a porta
e derrubar os muros?
E a mim que importa
se vós sois afinal o que hei-de ultrapassar
e esmigalhar
em nome
de todos os futuros?
Eu sigo e seguirei.
como um doido ou um anjo,
obstinado e heróico a caminho de nós
em palavras e acções
por todos os vendavais
e temporais
e multidões
nos cantos mais ignotos
e nas linhas perdidas
e nos campos esquecidos
e nos lagos remotos
e nos montes
- por terra, mar e ar.
Direis que não é poesia
E a mim que importa!
Convosco ou não, meu galope é em frente.
Pertenço a outra raça, a outro mundo, a outra gente.
É andar, é andar!"
Mário Dionísio
(Lisboa, 16/7/1916 - Lisboa, 17/11/1993)
2 comments:
De certa forma é um poema com o qual é fácil pelo menos parcialmente qualquer pessoa se identificar.
Também me identifiquei em algumas partes, mas é bonito, sem dúvida. :)
Olá.
Vim aqui «roubar» o poema para o usar, embora tenha o livro e descobri umas pequenas gralhas, que é normal acontecerem na transcrição. Deixo aqui este comentário para que possam corrigir. «Espectam», em vez de «espetam»; «linhas», em vez de «ilhas» (2 vezes).
Diana Dionísio
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